terça-feira, 31 de agosto de 2010

Um dica de filme...

A diretora Suzana Amaral dispensa apresentações. Competência, sensibilidade e refinamento técnico caracterizam seus filmes. Ou melhor, suas obras. Pois é disso que se trata. São obras. Magistrais, diga-se de passagem. É o caso de "A vida em segredo". Você pode encontrá-lo em qualquer locadora (aquelas que ainda não sucumbiram diante do mercado da pirataria...).

A entrevista do presidente colombiano na Veja

Vocês leram a entrevista do presidente recém-empossado da Colômbia na Veja? Não! Então, leiam. Está ótima! Juan Manuel Santos enfrenta as provocações e cascas de banana dos parajornalistas do semanário. Em um dos trechos, questionado sobre a presença de nomes de integrantes do governo brasileiro em arquivos do comandante guerrilheiro, Raul Reys (FARC), morto em controversa operação da inteligência colombiana no Equador, Santos responde que não viu nada demais nisso. E emendou que o seu próprio nome poderia estar nos aquivos, já que ele também tentou intermediar negociações com membros da guerrilha. E, para desespero dos entrevistados, não assumiu o dicurso de Uribe em relação ao Hugo Chavez. Realmente, uma boa surpresa.

Meio devagar...

Ando meio devagar, nestes dias. Todo segundo semestre é assim: cansaço que acumula, sensação de tempo que escorre entre os dedos e alguma doença oportunista. Vômitos, enxaqueca, sinousite e outras ites mais. Mas não vou me render... Logo, logo, estarei de volta por inteiro.

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

A epidemia do crack em Minas

No Rio Grande do Norte, e não apenas em Natal, a situação em relação ao consumo de crack está ficando cada vez mais dramática. Por isso mesmo, leia e reflita sobre a matéria abaixo, publicada no UOL notícias.

Crack quadruplica homicídios causados por drogas em Belo Horizonte
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MARIO CESAR CARVALHODE SÃO PAULO

A chegada do crack a Belo Horizonte, em 1995, provocou uma explosão de homicídios nos anos seguintes. Essa associação aparece na maior pesquisa já feita no país sobre a droga, coordenada pelo sociólogo Luis Flavio Sapori, professor da PUC-MG (Pontifícia Universidade Católica).
Até 1996, quando o crack era incipiente naquela cidade, as mortes provocadas por conflitos gerados por drogas ilícitas eram 8,3% do total. Entre 2005 e 2006, esse índice quadruplicou --33,3%, segundo o levantamento.

Os homicídios estão em queda naquela cidade, mas os motivados pelo crack não param de crescer.

O crack provoca uma letalidade maior do que as outras drogas, segundo o pesquisador, por causa do tipo de dependência que provoca --muito mais severa do que maconha ou cocaína. Como a fissura é incontrolável, o vício é seguido de um endividamento crescente.
"Esse tipo de conflito é resolvido com violência: quem não paga a droga paga com a própria vida", diz Sapori.


Um dos traficantes entrevistados na pesquisa dá uma pista um pouco mais complexa das relações entre vendedor e comprador. "O traficante não mata o usuário porque ele tá devendo. Mata porque ele é um sem-vergonha, tá devendo e foi comprar na outra boca. É nessa situação que ele mata o usuário."

A pesquisa é considerada a maior do país porque analisou 671 inquéritos de homicídios (de 1993 e 2006), ouviu 19 traficantes, 23 usuários e 84 profissionais que tratam dependentes.
A queda dos homicídios em Belo Horizonte a partir de 2004, quando aumentam ainda mais os crimes motivados por drogas, não derruba a hipótese de que crack e homicídios andam juntos, conforme Sapori. Essa queda está ligado a uma maior estabilidade do mercado, diz.


PODEROSO CHEFINHO

O comércio de crack, segundo ele, funciona de forma similar ao mercado de carros ou de geladeiras: tem uma racionalidade que busca o lucro e faz de tudo para evitar ser alvo das autoridades.

"O traficante mata menos porque não quer a polícia na sua boca. Ele percebe que a polícia ficou mais eficiente e mata menos para manter o lucro", afirma.

Uma das descobertas da pesquisa, para o sociólogo, é a forma como os pontos de venda se organizam. O crack tem componentes do crime organizado, mas seria equivocado imaginar uma estrutura do tipo máfia.

O que há, segundo os pesquisadores, é uma rede de "bocas", os pontos de venda, que são abastecidos por um chefão, chamado "patrão". "O atacadista que abastece as bocas não mexe com o varejo. As bocas são como uma mercearia. É uma rede de chefinhos", compara.
O que acontece em Belo Horizonte vale para o resto do país, segundo Sapori.


O sociólogo Renato Sérgio de Lima, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, concorda. "O crack é um acelerador da criminalidade porque desorganiza ao mesmo tempo o tráfico e a polícia."

O sociólogo José Luiz Ratton, da Universidade Federal de Pernambuco, diz não ter dúvidas de que crack gera violência, mas acha que há uma simplificação na conclusão do estudo. Rio e Recife, para ele, passam por uma explosão do crack, mas os homicídios estão em queda.
"Há ondas de homicídio que não coincidem com o crack", afirma.

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

O terror do narcotráfico no México


Leia abaixo (em espanhol) matéria publicada no EL PAÍS sobre o massacre perpetrado por um dos quartéis da droga no México. O texto é pungente. Leia-o e guarde para refletir. Seremos a bola da vez?


Hallados 72 cuerpos de inmigrantes 'sin papeles' en un rancho en México
Un superviviente dice que los narcos los secuestraron cuando se dirigían a EE UU

SALVADOR CAMARENA - México - 26/08/2010


Lo peor del horror es cuando se vuelve impredecible. Cuando, por ejemplo, una narcofosa ya no es una narcofosa. Cuando uno tiene que abrir una nueva categoría ante el hallazgo, en la noche del martes, de 72 cadáveres en Tamaulipas, en el noreste de México. Una nueva categoría porque el hecho no se parece a los siete cuerpos encontrados la semana pasada en una mina en Hidalgo, a una hora de la capital mexicana; o a los 55 encontrados en mayo pasado en la turística Taxco (Guerrero), a menos de 200 kilómetros de la metrópoli. Al fin y al cabo, en México saber que de repente aparecen decenas de muertos ya no es noticia. Pero que sean extranjeros cambia mucho las cosas.


A medianoche del martes (mañana de ayer en España), la Secretaría de Marina dio cuenta de un enfrentamiento ocurrido horas antes con delincuentes en un rancho de San Fernando, en el Estado de Tamaulipas. Después del tiroteo, que se cobró la vida de un marino y tres criminales, los militares hallaron un sembradío de cadáveres: 58 hombres y 14 mujeres, aún sin enterrar. El desencadenante del enfrentamiento había sido, justamente, el testimonio del único sobreviviente de la matanza, que, herido, logró huir y llegar hasta un control militar. Los uniformados se presentaron en el rancho, donde fueron recibidos a balazos por los narcos.


Horas después se supo que el sobreviviente, Luis Freddy Lala Pomadilla, es de origen ecuatoriano. Y que los fallecidos no eran narcos, sino emigrantes sudamericanos y centroamericanos que buscaban llegar a Estados Unidos. El ecuatoriano contó que los delincuentes se identificaron como miembros de la organización criminal de Los Zetas, que trataron de extorsionarlos, y que al negarse fueron acribillados. A él lo dieron por muerto, por lo que pudo huir del rancho donde habían sometido al grupo, que ingresó a México por el sureño Estado de Chiapas.


En realidad, lo que contó el sobreviviente no es nada nuevo. Según la Comisión Nacional de Derechos Humanos, los grupos criminales secuestraron a 9.758 migrantes tan solo de septiembre de 2008 a febrero de 2009. La cifra extraoficial, es decir, incluyendo casos no detectados, podría llegar a 20.000 para el mismo periodo.


"Lo que queda claro es que en México hay una criminalización de los migrantes: son un botín para la delincuencia organizada", explica a EL PAÍS Mario Santiago, director de investigación de Fundación I(de)has. "Todos los días hay secuestros de migrantes que pasan en los trenes que van al norte, se les extorsiona, y a los que no pueden pagar por su liberación se les mata. A las mujeres se les hace trabajar con los secuestradores o se les prostituye. Y la cuota varía, desde 50 pesos [tres euros] hasta miles de pesos, esto último sobre todo cuando tienen familiares en Estados Unidos". Santiago explica que los narcos tienen casas de seguridad en Chiapas, Tabasco, Veracruz y Tamaulipas, donde retienen a los migrantes que secuestran. "Pero lo peor es que no hay persecución ni investigación de muchos de estos casos", dice en entrevista telefónica desde Tapachula, en la frontera con Guatemala.


Aunque el Gobierno del presidente Felipe Calderón pidió esperar al trabajo de los peritos para determinar la identidad de las víctimas, estos sí reconocieron que se podría tratar de ciudadanos de Ecuador, Brasil, El Salvador y Honduras. El portavoz Alejandro Poiré dijo que esta matanza ocurre en el marco del enfrentamiento que en Tamaulipas se da entre el cartel del Golfo y Los Zetas. El funcionario se aventuró a sugerir que algunas organizaciones criminales están enfrentando una situación muy adversa para abastecerse tanto de recursos económicos como de integrantes. "La actuación del Estado los merma" en su capacidad, dijo Poiré. Por ello estarían atacando a los migrantes.

O México e nós

Perplexidade, angústia e medo. Esse sentimentos nos invadem quando tomamos conhecimento da chacina ocorrida na fronteira norte mexicana. O número de assassinados, dentre eles, parece, alguns brasileiros, aponta a importância política do enfrentamento, com conhecimento científico e decisão política, da máquina mortífera do narcotráfico.

Essa máquina, não esqueçamos!, também produz suas chacinas e massacres no Brasil. E não muito longe. Aqui mesmo em Natal, na Zona Norte da cidade, micro-cartéis produzem cenários também grostescos. E, aos poucos, a cidadania, acuada, vai se resignando em ceder partes do território e de áreas do Estado e do Mercado para os criminosos.

Confira abaixo nota publicada no EL PAÍS sobre essa realidade.

La crueldad cotidiana de los narcos mexicanos



La crueldad y el ensañamiento no tienen límites cuando de la guerra entre mafias del narcotráfico mexicano se trata. Los cadáveres de cuatro hombres jóvenes maniatados fueron hallados ayer colgando de un puente en las cercanías de la ciudad de Cuernavaca, en el Estado de Morelos. Las víctimas habían sido torturadas y mutiladas. Sus genitales y sus cabezas fueron abandonados sobre el asfalto, junto a un mensaje enviado por los sicarios a una banda rival. Una escena que ya se ha convertido en algo cotidiano.

Lançamento de livro sobre pesquisa eleitoral


Daniel Menezes, doutorando em Ciências Sociais, lançará nesta sexta, dia 27, o seu livro Pesquisa de Opinião e Eleitoral: Teoria e Prática. O lançamento ocorrerá na Cooperativa Cultural da UFRN, a partir das 18:30 horas. Leia abaixo um resumo da obra.

"Este estudo é direcionado para aqueles que trabalham, direta ou indiretamente, com pesquisas de opinião e eleitorais, tais como pesquisadores, jornalistas, marketeiros, políticos, assessores, membros do judiciário, estudantes, além de todos aqueles que se interessam em saber como se processam as pesquisas de opinião. Esta obra não tem a pretensão de apresentar um manual fechado e acabado sobre como fazer levantamento de dados. A ideia é oferecer uma análise compacta sobre os principais pontos de confecção e manuseio estratégico das pesquisas voltadas para uma abordagem quantitativa.

A sondagem de opinião e eleitoral tornou-se uma importante ferramenta estratégica, utilizada abundantemente pelos mais variados grupos de pressão e pelos candidatos no processo de disputa política. É impensável imaginar que um cidadão que pleiteia um cargo público não faça uso das mais variadas formas de levantamentos para pensar e executar suas atividades de campanha."

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Dica de filme

Vá uma locadora e procure-o. Você vai gostar, tenho certeza.

Ser mãe...

Uma série de reportagens publicada no EL PAÍS aborda a maternidade em diversas partes do mundo. O material é muito parecido com aquele tipo de jornalismo que nós já tivemos por aqui, mas ficou perdido em algum momento aí na segunda metade da década de 1980.

O que estou querendo dizer é que as reportagens, além de muito bem feitas, aumentam a nossa sensação de mal-estar com a mediocridade geral que domina a mídia brasileira.

Vale a pena conferir o jornalismo do EL PAÍS...

Clique aqui e se informe... e se emocione.

É o cara...


Caio Padilha é um multiartista. Ator, músico e compositor. Agora, com reconhecimento conferido por prêmios conquistados em festivais, faz parte da cena cultural na esquina do Atlântico. Quando você souber que ele participará de algum evento na sua área, não dê mancada, vá lá e confira. Por enquanto, dê uma espiada no vídeo abaixo...

Simona Talma prá você...

Você não a conhece ainda? Como pode isso? Corra, procure por informações e, quando souber de algum show com a cantora, por favor, não vacile. Vá lá e confira. Por enquanto, dê uma espiada no vídeo abaixo.

O papel do PMDB na coalizão lulista

Leia abaixo o artigo de hoje do jornalista Alon Feuerwerker.

O PMDB e as apostas (25/08)
Alon Feuerwerker


O que fará o PMDB com seu belo cacife? A aposta dominante é que vai dilapidá-lo em pequenos lances, em joguetes por espaços orçamentários, em movimentos previsíveis da micropolítica brasiliense. Será?

O “momentum” da eleição está com a candidata do PT. A situação objetiva faz emergir um PMDB cioso de seu papel. Os últimos dias foram pródigos em notícias sobre as ambições peemedebistas na eventual futura administração, mas estes anos de Brasília convenceram-me de algumas coisas. Uma delas: o apetite do PMDB é grande, não maior entretanto que o dos demais. O PT incluído. Ou principalmente.

Talvez esteja passando despercebido certo detalhe na abordagem sobre o papel do PMDB num hipotético futuro governo Dilma.
O PMDB de 2010 é algo diferente em relação ao partido que se desmilinguiu no governo Sarney e entrou no corredor polonês com Fernando Collor e Itamar Franco, antes de pousar no limbo com Fernando Henrique Cardoso e com o Luiz Inácio Lula da Silva do primeiro mandato. De 2007 para cá, Lula reconstruiu e unificou o velho PMDB, para usá-lo como mecanismo de proteção do próprio poder. Proteção inclusive contra o PMDB.

Um bom amigo que sabe das coisas já observava anos atrás, com o conhecido humor. Se o PMDB dividido é uma dor de cabeça para qualquer governo, unido será um desafio maior ainda. Ainda mais se se tornar um fiador insubstituível.

Era o papel que o antigo PFL sonhava desempenhar no governo FHC, mas o plano não deu tão certo. O pefelismo saiu dos oito anos da aliança mais fraco do que entrara. A situação do PMDB agora é comparativamente melhor: se enfraquecer o PFL nos anos 1990 era chique para um segmento da opinião pública, por supostamente ajudar a “libertar” o PSDB do “atraso”, enfraquecer o PMDB num eventual governo Dilma resultará em mais força para o PT.

Coisa de que o pessoal chique não quer nem ouvir falar. Ainda mais quando vê os caminhos da política em alguns vizinhos.

O PMDB chega a este estágio da corrida eleitoral bastante confortável, com o candidato a vice, Michel Temer, dando-se ao luxo de descartar publicamente propostas da titular. Como a tal Constituinte exclusiva. Ou mandando avisar que aqui no Brasil ninguém vai bulir na liberdade de imprensa. Temer sabe bem para que público se dirige.

Sobre a Constituinte, o PMDB terá força maciça no Congresso. Por que abriria mão para ajudar a construir uma “dualidade de poder”? Para dar combustível a tentativas de ruptura? Não faz sentido.

De todos os jogadores que chegam a esta reta final da corrida pelo Palácio do Planalto, dois vêm em posição destacada: Lula e o PMDB. Com uma diferença. O presidente tem data marcada para ir embora, o PMDB, não.

Mas o que fará o PMDB com seu belo cacife? A aposta predominante é que vai dilapidá-lo em pequenos lances, em joguetes por espaços orçamentários, em movimentos previsíveis da micropolítica brasiliense. Será?

Se agir assim, o PMDB demonstrará pouca inteligência, o que é sempre possível. Mas considerando a história recente, talvez não seja o mais provável. Eu apostaria no contrário.

De todo modo, são apenas apostas.


De fora

O Brasil está à margem das negociações diretas entre Israel e Autoridade Palestina, previstas para começar em setembro. A diplomacia pátria movimentou-se bastante nos últimos tempos para nos inserir no imbróglio levantino, mas a ausência brasileira não deve ser vista como fracasso.

As negociações seguem o escopo da política do chamado quarteto: Estados Unidos, Rússia, Nações Unidas e União Europeia. Não inclui jogadores como o Irã, o Hezbollah e o Hamas. Já o Brasil esboçou uma posição distinta, ao trabalhar pela ampliação do escopo exatamente em direção a estes últimos.

A fragilidade da posição brasileira é conceitual. Para entrar numa conversa, é razoável que os participantes estejam de acordo ao menos num ponto: o direito de os demais saírem vivos ao fim das negociações. Daí a dificuldade de realizar o que o Brasil propõe, na amplitude.

Mas como no Oriente Médio é sempre boa a possibilidade de conversas acabarem mal, há uma chance razoável de no futuro o Brasil poder dizer “eu não disse?”.


Coluna (Nas entrelinhas) publicada nesta quarta (25) no Correio Braziliense.

Ativismo judiciário, judicialização da vida social ou simplesmente ridículo?

Antoine Garopan, jurista francês e arguto estudioso do direito na contemporaneidade, analisando contextos diversos daquele que começa a se configurar no nosso país, diagnosticou a emergência do fenômeno da “judicialização da social”. Com o termo, o estudioso identifica a colonização, feito pelo judiciário, do espaço público. Em especial, o autor destaca como essa invasão ocorre no espaço da vida política. Dada a fragilidade (ou diminuição gradativa de sua legitimidade) da produção política (especialmente a legislativa), cada vez mais se demanda ao judiciário a resolução de pendengas que seriam exclusivas dos atores políticos.

O quadro acima se traduz em uma fragilização da democracia. Entramos em um círculo de giz: mais o judiciário é chamado a decidir sobre questões que seriam da alçada do legislativo mais esse espaço perde legitimidade. Uma das conseqüências dessa situação é que os membros do judiciário passam a ser vistos (e, convenhamos, também a se pensar como) “paladinos da democracia”. Como se fosse o juiz (em especial, para utilizar aqui expressão do Garopan, o “pequeno juiz”) uma espécie de “guardião da democracia”.

Essa situação, que diz respeito à conformação da esfera pública na sociedade contemporânea, assume contornos que beiram o ridículo entre nós. Com uma ampla legitimidade social, assistimos a um crescente esvaziamento do espaço público auto-regulado pela colonização do judiciário. Os atores falam em “ativismo judiciário”. A democracia prescinde desse tipo de ativismo. Necessita, sim, do ativismo social e político.

A situação extrapola todos os limites quando jovens promotores, alimentados no ambiente etnocêntrico de nossa classe média, incorporam a ideologia anti-Estado (e anti-classe popular) que estrutura a visão tradicional das elites sobre o país. Açulam, por via paralela, o sebastianismo. Os salvadores não serão mais os políticos, mas, sim, os membros do judiciário. Não deve ser por outro motivo que esses atores não se pensam como servidores públicos. Eles e acham “membros de um poder...”

Bom. Mas, como nos ensina o budismo (fui longe!), a boa medida nunca está nos extremos. Eis que, no afã de controlar e monitorar o povo (essa patuléia que não sabe votar e nem vai aos mesmos restaurantes e nem aos mesmos lugares nos quais esses “membros do poder” convivem), eles caem no ridículo. É o que acontece com as decisões do TSE a respeito da disputa eleitoral em marcha. São tantas ingerências (e tão descabidas!) que é como se os nobres magistrados se pensassem que são eles os atores principais...

Bom. Como se a provar que tudo aqui acaba em samba, ao pisar fundo de mais no acelerador, parte do judiciário brasileiro não está promovendo nem ativismo judiciário e nem judicialização da vida social, mas simplesmente o ridículo. Dentre as decisões recentes de uma das mais altas cortes do país está a suspensão da propaganda em um carro de uma candidata do Maranhão. Pode? Você já imaginou o quanto custa em grana uma reunião dessas para que se produza como resultado multar uma candidata porque o seu carro de propaganda tem um tamanho acima do estipulado. E a decisão sobre o outdoor na sede de campanha da Dilma. Meu Deus!

Acorda!!!!!!!!!

Acorde com Inezita Barroso. Para lembrar aqueles tempos em que as nossas rádios AMs tinham bons programas de música sertaneja. E todas as manhãs a gente acompanhava a evolução de um cancioneiro que parecia parado no tempo. Isso era de um tempo no qual as chamadas duplas sertanejas ainda não tinham entrado em cena...

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Dono do Buongustaio nega discriminação

Transcrevi neste espaço, há alguns dias, texto de autoria do escritor Nei Leandro de Castro a respeito de uma situação de discriminação racial presenciado por ele no restaurante Buongustaio. Recebi mensagem do proprietário do restaurante negando tal prática. Transcrevo a mensagem mais abaixo. Caso queira confirar o post acima referido, clique aqui..

"Sr Edmilson, estava eu a procura do email de Nei Leandro de Castro, e eis que me deparo com o seu comentario e aproveitando digo-lhe de passagem como dono do Restaurante BUONGUSTAIO que lhe asseguro que nenhum ato de discriminaçao racial existe em meu estabelecimento, pois tenho varios funcionarios e frequentadores pertencentes a raça negra."

Brega? Eu sei quem é brega...

O Otto você conhece, não? Não! Então, por onde andas? Confira abaixo música que você já ouviu. Se é que você já andou, pelas madrugadas insones, em alguns botecos de petiscos duvidosos, cervejas deliciosas e companhias inesquecíveis.

Economia e religião

Confira abaixo matéria publicada na edição on line do EL PAÍS.

La economía entiende muy poco de dioses
Un estudio rebate la clásica identificación entre protestantismo y capitalismo - ¿Influyen las diferencias culturales en el desarrollo? - ¿Por qué triunfan o fracasan los países?
M. ANTONIA SÁNCHEZ-VALLEJO

Si el sociólogo Max Weber (1864-1920) viviera, puede que hoy hubiera titulado de otro modo uno de sus libros más importantes, La ética protestante del capitalismo. Porque el desafío económico de los países asiáticos, por un lado, y la emergencia de potencias que poco o nada tienen que ver con la tradición de Lutero configuran un panorama alejado del maniqueísmo protestantes-católicos en que se inscribe la obra de Weber, cuya tesis viene a ser que el talante industrioso, emprendedor e individualista de los protestantes es un factor más acorde con el mercado que el de los católicos, supeditados a la jerarquía y contrarios a la usura.

Ni el capitalismo es lo que era cuando Weber escribió esa obra, ni las sociedades occidentales (protestantes o católicas, tanto da) son las únicas que rigen los destinos del mundo, y mucho menos en el contexto de la actual crisis. Si a ello se añade que algunos expertos refutan la tesis de la obra de Weber, el debate sobre el triunfo o el fracaso de las naciones debería formularse en términos globales, y, por mor de la corrección política, con independencia de cualquier mención religiosa, capaz de encender hogueras como bien ha podido comprobar Barack Obama al apoyar públicamente la construcción de una mezquita en la zona cero de Nueva York.

Averiguar si los países protestantes -o los confucionistas o los sintoístas, en el siglo XXI- son más prósperos que los católicos por la influencia de distintos factores culturales es una pretensión, por general, demasiado equívoca. Bélgica, de mayoría católica, es un país desarrollado, por no hablar de la católica Italia, que pertenece al G-8. Los economistas, en general, niegan la mayor: no hay hecho cultural que influya en la cuenta de resultados. Sociólogos y antropólogos, por no hablar de los teólogos, sostienen en su mayoría lo contrario: que es posible hallar la influencia que una fe o, por llamarlo de otro modo, un hecho cultural, tiene en aspectos tan cuantificables como el déficit o el PIB de una nación.

El doctorando de la Universidad de Harvard Davide Cantoni se ha atrevido a matar al padre de la sociología moderna refutando en parte su tesis de que protestantismo es igual a riqueza. Con un estudio titulado Los efectos económicos de la reforma protestante, Cantoni analiza el crecimiento económico de 272 ciudades alemanas (162 luteranas, 88 católicas y 21 calvinistas) de 1300 a 1900, llegando a la conclusión de que la diferencia de religión no explica las diferencias de crecimiento entre unas y otras.

Interpelado sobre la osadía que supone para un científico social llevarle la contraria a Weber, Cantoni advierte contra la tentación de sacar "demasiadas conclusiones" de los resultados de su trabajo. "Mi investigación es una comparación de largo recorrido, desde 1300 a 1900, de ciudades alemanas. Su relevancia es, ante todo, local, en el sentido de que responde a este planteamiento: ¿Cuál ha sido el impacto de la reforma protestante en el crecimiento de las ciudades alemanas entre 1300 y 1900?". Ante la tentación de extrapolar algún dato, Cantoni pide extremar la cautela: "En un sentido más amplio, el estudio podría servir para pronunciarse, cum mica salis, sobre la importancia del protestantismo en el crecimiento económico de Europa en general. Pero usarlo en un contexto distinto, como por ejemplo la Latinoamérica actual, no es de recibo".

Eso por lo que hace a la hipotética influencia del protestantismo en la economía. Porque el contexto en que Weber pergeñó su obra era ajeno a la actual pujanza -demográfica y política- del islam; al desafío económico de los tigres asiáticos y al mestizaje sociocultural -es decir, también religioso- de algunas de las potencias emergentes: Brasil, por ejemplo. El desempeño económico de India o China -que ya es la segunda potencia mundial, por delante de Japón- y su éxito global merecen capítulo aparte. Pero como sustrato del debate, el influjo de las diferencias culturales en los distintos modos de desarrollo de las naciones sigue teniendo cierto aliento, pese a las reticencias economicistas. A modo de ejemplo, aun políticamente incorrecto, para suscitar a las bravas la cuestión: ¿Puede triunfar económicamente un país -cualquiera de los musulmanes- que se detiene cinco veces al día para rezar? ¿Suponen las religiones orientales, del confucionismo al sintoísmo, una patente de éxito para el desarrollo económico, pese a las condiciones de precariedad de la clase trabajadora -menores incluidos en algunos casos-, o en aquel solo influyen circunstancias objetivas, cuantificables?

"Cantoni compara alemanes con alemanes; según su tesis, lo importante es ser alemán, no protestante o católico", explica José Ignacio Torreblanca, del FRIDE, que se hizo eco de la tesis de Davide Cantoni en un artículo publicado en EL PAÍS (Prejuicios, 5 de abril de 2010). "Lo interesante del debate de las teorías del desarrollo es averiguar qué circunstancias objetivas influyen en el triunfo. Y, al revés, cuáles están detrás del subdesarrollo. Hay una estructura de oportunidades: los países más que pobres son desiguales. Todas las periferias, por definición, son más pobres que el centro, donde se concentran las oportunidades. Y eso puede verse incluso en la Unión Europea. ¿Quiénes son los países que están a la cola de la UE? Irlanda, Portugal, España y Grecia", explica Torreblanca. De los cuatro, tres (Irlanda, Portugal y España) comparten tradición cultural, y profundas raíces católicas.

Para Iliana Olivié, investigadora principal de la Fundación Elcano y profesora de Teoría del Desarrollo Internacional en la Universidad Complutense de Madrid (UCM), tras el éxito de muchos países asiáticos no hay que ver la velada o la patente influencia de las religiones que sus poblaciones profesan, sino políticas integrales de desarrollo. "Aunque hay muchos casos diversos, hay elementos comunes: una política integral de desarrollo en la que todo se supedita a ese modelo, que además es un modelo nacional; y una apropiación del mismo por parte de la población. La sociedad ha metabolizado ese modelo, lo ha hecho suyo con un patriotismo bien entendido. ¿Se puede concluir de ahí que las filosofías orientales conducen al éxito económico? De ninguna manera. Lo que diferencia a Asia es ese proyecto nacional y coherente de desarrollo, que incluye al conjunto de la sociedad y que va a ir adaptándose a los tiempos". Ahora bien, aunque Olivié se niega a aceptar que en el desarrollo influya factor cultural alguno, "si hay una cierta homogeneidad cultural, social, étnica, puede que sí ayude...". Pero sin inferir de ello que las filosofías orientales empujen al éxito. "De ninguna manera", sentencia.

Desde los tiempos de Adam Smith y Karl Marx, el debate sobre el desarrollo de las naciones se formula en torno a tres puntos básicos: "Mayor o menor intervención del Estado; si es necesaria o no una industrialización, un eje de discusión que se ha revitalizado con el extraordinario desarrollo de China, y mayor o menor apertura de los mercados, algo que está relacionado con el primer punto. Este esquema sustenta todas las teorías de desarrollo", explica Olivié.

La investigadora señala, no obstante, que, al pensar en clave de eficacia, competitividad o éxito, "lo hacemos influidos por la cultura dominante, que es la anglosajona". Y, a la inversa, si repasamos el panorama económico iberoamericano -con la excepción de Brasil, o del despegue económico chileno de los años noventa-, lo hacemos enfocando a países que se emanciparon sobre la base -las ruinas- de un sistema ajeno, el colonial. "España exportó un modelo de burocracia institucionalizado, y es verdad que ha podido dejarlo como legado en América Latina", señala Olivié. No obstante, en un debate como este "no hay síes ni noes, todo es una amplia gama de grises".

Federico Steinberg, también investigador principal de la Fundación Elcano y profesor de Economía en la Universidad Autónoma de Madrid, comparte con su colega el rechazo inequívoco a la influencia cultural como determinante del éxito o el fracaso económico de una nación. "A los economistas no nos gustan las explicaciones culturalistas, parte del desarrollo asiático se puede explicar sin recurrir a ellas. La gente responde a incentivos, esta es la base de la teoría económica. Si todo fuera [influencia] cultural, estaríamos abocados a un determinismo trágico". Pero concede: "No negamos que la ética protestante esté detrás de gente más ahorradora o inversora, pero lo que importa es que las políticas públicas se hagan bien o mal". Así, si la religión -la diferencia cultural, en suma- no es determinante, ¿influye más el contexto? ¿Puede un país sustraerse a la crisis con un buen rumbo económico? "Los países con buenas políticas internas, por ejemplo Brasil, siguen desarrollándose pese a que el marco internacional no es favorable. En suma: el desarrollo consiste en buenas políticas públicas internas; el subdesarrollo, en lo contrario, y esto sucede tanto en dictaduras como en democracias...".

El sociólogo Enrique Gil Calvo defiende a capa y espada la influencia de factores culturales en los distintos grados de desarrollo. En el ámbito occidental, dice, "hay tres mundos del bienestar: el nórdico, que equivaldría a la socialdemocracia; el anglosajón, o liberal, y el continental, o democristiano. Así que por un lado estarían los modelos nórdico y anglosajón, y por otro, todos los demás, es decir, lo que ahora llamamos PIGS [acrónimo de Portugal, Irlanda, Grecia y España]. Esta división se puede apreciar también en las políticas públicas, incluso en el mayor o menor grado de corrupción", en la que, no hay que decirlo, los países meridionales de la UE sacan peor nota que los del norte.

Pero ¿dónde está la explicación? ¿En qué hunde sus raíces la diferencia entre los tres bloques? Gil Calvo no lo duda: "En la religión. Los nórdicos son luteranos; los anglosajones, calvinistas, y los PIGS, católicos, salvo Grecia". A los tres modelos de desarrollo citados podría añadirse un cuarto, el renano, un híbrido "donde se mezclan protestantes y católicos", explica Gil Calvo.

Para el sociólogo, las diferencias culturales lo empapan todo. "También los distintos sistemas jurídicos vigentes en Occidente, la common law frente a la civil law, que se basan en distintos modelos de familia, el autoritarista frente al igualitario, o el troncal, donde todo lo hereda el primogénito".

Ciñendo el debate al contexto occidental, Gil Calvo considera que la influencia de la cultura en la economía se puede demostrar empíricamente, "incluso a través de las encuestas". Por ejemplo, la desigual respuesta de las sociedades frente a la corrupción. En el Barómetro de enero de 2010 del CIS, la corrupción y el fraude solo constituían la undécima preocupación de los españoles, muy por detrás de cuitas como la economía o la inseguridad. "A los católicos se nos perdona la corrupción como se nos perdonan los pecados, basta con confesarse. Por el contrario, entre los calvinistas impera el sálvese quien pueda, la insolidaridad y la desigualdad: los ciudadanos quieren ser desiguales. El igualitarismo es el rasgo del luteranismo, con un Estado de bienestar muy completo en el que los ciudadanos quieren ser iguales".

Aunque este reportaje no tenga pretensiones científicas, queda demostrado, grosso modo, que la benedictina regla del ora et labora (reza y trabaja) ha tenido a lo largo de la historia muy desiguales manifestaciones según a qué punto del mapa se mire. Pero de ahí a que la cuenta de resultados de las naciones se incline más por el haber que por el debe, o viceversa, en función de una creencia determinada, es algo que pocos científicos, una vez muerto -y rematado por obra y gracia de Davide Cantoni- Weber, van a defender.

Uma boa leitura...



Prá ler e rir. O título é "Apedrejando pôneis em baile". E está na edição de agosto da Revista Piauí. O artigo você lê no site, mas a revista completa, que você só pode ler na edição impressa, está, como sempre, muito boa.

Ficha limpa e etnocentrismo

Já comentei neste espaço a tal da lei do “ficha limpa”. Não se trata apenas de algo inconstitucional, como aponta, com argumentos convincentes, o jornalista Alon Feuerwerker, mais abaixo. Trata-se também, fique claro, de uma expressão do velho etnocentrismo de certo setores do “bem”. São aqueles bem pensantes, que gozam com o bom-mocismo dos bem-pagos jovens promotores, sempre prontos a apontar o seu dedo justiceiro em direção ao Estado. Este, sim, seria a base e a fonte de todas as mazelas. O resultado? Uma produção legislação de ocasião, para atender os reclamos da nossa esclarecida “opinião pública”.

Minoritário, e solitário, daqui deste rincão esquecido do Reino, eu digo um sonoro NÃO. Eu não participo desta farra. Justiça e Estado de Direito, sim. Fancaria, não. Mil vezes, não.

Por falar em Ficha Limpa, todo mundo virou do “bem”. Incrédulo, há alguns dias, assisti a um “debate” no Programa Grandes Temas, da TV Universitária, sobre o assunto. Todo mundo a favor da lei. Nenhum reparo à sua flagrante inconstitucionalidade. E olha que tinha gente de esquerda, da OAB e da ciência política na mesa.

Tá todo mundo indo na onda? Podem ir. Eu, não. O isolamento político nunca me incomodou de fato.

Leis que retroagem?
Alon Feuerwerker


Seria interessante se os candidatos explicassem o que entendem por Estado de direito, e de que modo irão defender as garantias fundamentais estabelecidas na Constituição

O combate à corrupção não pode ser feito ao custo de rasgar a Constituição. O mesmo vale para outros combates, mas o Ficha Limpa tornou urgente a discussão. A lei, infraconstitucional, não tem o poder de alterar a Carta, ainda que esta seja, no frigir dos ovos, o que os ministros do Supremo Tribunal Federal entendem que ela é.

Está aliás na hora de o STF colocar ordem na bagunça do Ficha Limpa, aplicar um freio de arrumação. Ou a lei retroage ou não. Intolerável é a coisa ficar ao sabor das influências políticas sobre os tribunais nos estados. O Ficha Limpa é uma boa ideia, que corre o risco de virar instrumento arbitrário. Com a palavra, o STF.

Aqui entre nós, lei que retroage é um atentado ao Estado de direito democrático e à Constituição. Mas esperemos pelo que vai dizer a Suprema Corte.

O que fazer quando na esfera da corrupção, ou de outros problemas sociais, a democracia aparece como “obstáculo” a que a sociedade encontre o paraíso? Aqui, o “vou colocar todos os corruptos na cadeia” aparece como irmão siamês do “não se pode falar em democracia numa sociedade tão desigual quanto a nossa”.

O impulso autoritário está no DNA das diversas camadas da organização social brasileira. A primeira frase entre aspas no parágrafo anterior é tipicamente “da direita”, enquanto a segunda é “da esquerda”. Mas são xifópagas.

É preferível alguns corruptos estarem fora da cadeia, e mesmo poderem disputar as eleições, do que o sistema jurídico brasileiro engolir a barbaridade da norma legal que retroage a partir da data de vigência. Se o Ficha Limpa pode, por que não as outras leis?

E é preferível certa política social não ser executada, se a execução implicar lesão a direito fundamental. Paciência, é o custo de viver numa democracia. Uma ótima relação custo/benefício.

Mas admito que tais ideias não são muito populares. Para que acabem entranhadas no nosso tecido social, seria necessária uma das duas opções: ou a forte e continuada pressão popular para inverter a relação deformada entre a liberdade excessiva do Estado e o deficit de liberdade do indivíduo, ou a sucessão de governos empenhados em autolimitar-se.

Aqui o leitor poderá argumentar que uma coisa não existe sem a outra, e terá dose de razão. Veja-se por exemplo a alternância de poder no último meio século no Brasil. Passaram pela cadeira — ou estão nela — todas as correntes políticas e históricas relevantes. Todas sem exceção adaptaram-se rapidamente aos princípios da absolutização do líder e da supremacia do Estado. Em palavras ou atos.

Pois a sociedade brasileira organizou-se a partir do Estado e carrega essa marca de nascença. Mas a deformação não é incurável, pode e vai sendo corrigida à medida que aumenta nosso grau de complexidade social. O crescimento da classe média não terá vindo em vão.

Outro dia a candidata Dilma Rousseff deu uma declaração interessante, ao falar sobre o proposto (por ela) ministério das pequenas e das médias empresas. Disse que a multiplicação dessas empresas é uma questão democrática. Fato.

Mas é também verdade que o governo do PT estimula a oligopolização em diversas esferas.

São debates estratégicos, e campanha eleitoral não é propriamente um lugar para tertúlias doutrinárias. Mas seria interessante se os candidatos explicassem o que entendem por Estado de direito, e de que modo irão defender as garantias fundamentais estabelecidas na Constituição. E como avançar na democracia.

Poderiam começar condenando a tese de fazer retroagir as leis novas. Mesmo que elas contem com a simpatia geral. Como é o caso do Ficha Limpa.

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Bandeira prá você...

Consoada
Manuel Bandeira

Quando a Indesejada das gentes chegar
(Não sei se dura ou caroável),
talvez eu tenha medo.
Talvez sorria, ou diga:
- Alô, iniludível!
O meu dia foi bom, pode a noite descer.
(A noite com os seus sortilégios.)
Encontrará lavrado o campo, a casa limpa,
A mesa posta,
Com cada coisa em seu lugar.

Final de semana

Pare um pouco, escute boa música e vá celebrar a vida... A semana valeu a pena, não foi? Se não, virão outras. Melhores...

Sofrimento social

Do sempre ótimo e antenado Que cazzo é esse?, blog pilotado pela Professora Cyntia Hamilim e pelos Professores Jônatas Ferreira (também da UFPE como a professora) e Arthur Perrusi (meu desconhecido vizinho do lado, aqui da UFPB), colho o artigo abaixo. É de autoria de Gabriel Peters, doutorando do IUPERJ.

A dor do outro distante: notas para uma agenda de pesquisa
Gabriel Peters

Os processos contemporâneos de globalização levaram a transformações profundas nos modos pelos quais as práticas humanas são coletivamente organizadas e subjetivamente vivenciadas no tempo e no espaço. Fortemente baseadas em tecnologias de transporte de bens e pessoas, bem como de produção e difusão de ideias e informações, as relações sociais atuais não estão mais, como é óbvio, circunscritas a situações de co-presença física, mas envolvem redes hipercomplexas de indivíduos e coletividades espacialmente distantes e culturalmente heterogêneos. De que maneiras esta “compressão espaço-temporal” (Harvey, 2001: 257) da existência em sociedade transformou as noções de responsabilidade moral com base nas quais os atores contemporâneos (especialmente as mulheres e homens “comuns”, se me permitem a frouxidão sociológica do adjetivo) intervêm em seus ambientes societários?

Um exame dos dilemas da responsabilidade moral na era da globalização (novo pedido de desculpas, desta feita pela grandiloquência) passa necessariamente por uma análise sociopsicológica das “implicações morais da distância” (Ginzburg, 2001: 199). Como a proximidade e a distância geográficas afetam o senso de responsabilidade moral exercido pelos agentes? Os efeitos da imediatez e da longinquidade espaciais sobre os “sentimentos morais” dos atores podem ser magnificados ou, ao contrário, contrabalançados pela influência de outras variáveis, tais como um sentido subjetivo de proximidade ou distância social (cultural, étnica, geracional, etc.)? Em nenhum cenário tais questões parecem ser tão dramatizadas quanto naqueles em que os indivíduos são colocados, de algum modo, “diante da dor dos outros”, na expressão de Susan Sontag (2003).

O estudo de nossas reações psicológicas e práticas ao sofrimento de outras pessoas atravessa a história da filosofia moral – como ilustram os escritos de Aristóteles sobre a compaixão ou a teoria da simpatia de Adam Smith. Ainda que esta venerável história inclua, desde o seu o início, algumas discussões reveladoras acerca da significação moral da proximidade e da distância, o tema só veio à tona com força recentemente (e compreensivelmente). Alguns dos primeiros a discuti-lo foram o filósofo Hans Jonas em O princípio responsabilidade (2006) e o (famosíssimo) sociólogo Zygmunt Bauman em Modernidade e Holocausto (1998), ambos avançando a tese da existência de um hiato, na modernidade, entre a imensa ampliação do alcance espaço-temporal das ações humanas, de um lado, e a persistência de uma sensibilidade moral ainda largamente focada nos contextos mais imediatos da proximidade e da co-presença física, de outro. As conclusões de ambos apontavam para o fato de que a maior parte das orientações éticas legadas por nosso passado estavam fundadas sobre um modelo de conduta com efeitos restritos em termos de tempo, espaço e ambiente sociocultural, sendo, assim, insuficientes ante a enorme expansão da influência causal das intervenções humanas sobre os mundos natural e social na era da ação à distância tecnologicamente mediada.

Um dos problemas que avultam a partir do momento em que se pensa a pertinência sociológica e ético-política das reflexões de Bauman e Jonas para o mundo contemporâneo está relacionado ao extraordinário incremento hodierno na produção e difusão de registros visuais e textuais do sofrimento, em particular através da televisão e da Internet. O que muda com a avalanche de notícias internacionais circulando na midiápolis global, as quais parecem oferecer, como nunca antes, a possibilidade de que seus consumidores se percebam como parte de um “único mundo”? A difusão ainda mais recente de tecnologias de gravação e transmissão de conteúdo simbólico (imagens em particular) para além dos órgãos convencionais de comunicação também torna possível uma multiplicação correlata de documentos icônicos e narrativos de acontecimentos de importância política ou humanitária os quais, de outro modo, permaneceriam invisíveis, seja em virtude do desinteresse da mídia, seja em virtude da existência de mecanismos tradicionais de censura (veja-se, por exemplo, as imagens documentais, feitas in loco e transmitidas por meios de comunicação mundo afora, dos protestos de monges budistas em Mianmar [2007] ou de oposicionistas no Irã, após a reeleição de Ahmadinejad [2009]). Outrora, a distância espacial significava necessariamente invisibilidade, ausência do campo de percepção. Mas o que ocorre numa situação em que, como diz Jean-Luc Godard, torna-se possível assistir ao que não se vê?


Queres ler o resto do artigo? Bueno, então clique aqui.

O adesivo existe, mas não é visto nas ruas...



Hum! Você já viu? Eu, não. E eu olho as traseiras dos possantes que se identificam com a candidata do DEM. E nada... Pelo visto o material é apenas virtual.

Trecho da propaganda do Serra faz sucesso no You Tube

"Serra come todo mundo", esse é o título do vídeo, retirado de uma inserção do candidato do PSDB/DEM no horário eleitoral, e que caiu na rede e está fazendo o maior sucesso.

A comédia do horário eleitoral

Aqui no Rio Grande do Norte, ainda na dianteira, mas já em queda, conforme apontado pela última pesquisa do Ibope, a candidata do DEM, a Senadora Rosalba Ciarline, foge da imagem do José Serra, a quem a sua agremiação empresta o vice, como o diabo foge da cruz. E o próprio Serra, repaginado de forma a agradar o povo (a idéia que esses marqueteiros têm do povo é uma coisa...), esquece que é PSDB e que tem como esporte preferido desancar o PT e passa a tentar pegar uma carona na garupa do Lula. O Programa do Serra ontem foi hilário...

Não sei... Mas acho que esse tão decantado estrategista eleitoral tucano é o mesmo que impingiu um supostamente popular "Geraldo" para se referir ao Geraldo Alckimim em 2006.

Graça mesmo foi a cena do pugilato exibida no guia eleitoral do PSOL...


Charge publicada no jornal "O dia".

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Cenários do Brasil: a avaliação da historiadora Lilia Schwarz


Do The New York Review of Books transcrevo a entrevista abaixo dada pela historiadora Lilia Schwarz ao também historiador Robert Darnton.


Talking About Brazil with Lilia Schwarcz
Robert Darnton

On a recent trip to Brazil, I struck up a conversation with Lilia Moritz Schwarcz, one of Brazil’s finest historians and anthropologists. The talk turned to the two subjects she has studied most—racism and national identity.

I first visited Brazil in 1989, when hyperinflation had nearly paralyzed the economy, favelas erupted in shoot-outs, and Lula, a hero of the union movement but still unsure of himself as a politician, was undertaking his first campaign for the presidency. I found it all fascinating and frightening. On my second trip, a few years later, I met Lilia and her husband, Luiz Schwarcz, who was beginning to build the company he had founded, Companhia das Letras, into one of the finest publishing houses in Latin America. They treated me to a day so packed with Braziliana that I remember it as one of the happiest experiences of my life: in the morning a stroll with their children through São Paulo’s main park, where families of all shades of color were picnicking and playing in dazzling sunlight; lunch, a tour of Brazilian specialties undreamt of in my culinary philosophy (but no pig’s ears or tails, it not being feijoada day); an international soccer match (Brazil beat Venezuela, and the stands exploded with joy); then countless caipirinhas and a cabaret-concert by Caetano Veloso at his most lyrical and politically provocative.

Since then I have never stopped marveling at the energy and originality of Brazilian culture. But I don’t pretend to understand it, all the more so as it is constantly changing, and I can’t speak Portuguese. I can only ask questions in English and strain to grasp the answers. Has the myth of Brazil as a “sleeping giant” turned into a self-fulfilling prophecy? “He has awoken,” people say today. The economy is booming, health services expanding, literacy improving. There are also prophecies of doom, because Brazil’s economic history looks like cycles of boom and bust imposed on centuries of slavery and pauperization. Still, Lula is completing a second and final term as president. Whatever Brazilians may think of his newly assertive foreign policy, which includes cultivating friendly relations with Iran (most of them don’t seem to be interested in it), they generally agree that he has managed the economy well and has done a great deal to improve the lot of the poor. Lula’s term will end in October, and he has thrown his support behind Dilma Rousseff, his former chief of staff, whose chances of winning are much bolstered by Lula’s own popularity. The first debate of the new presidential campaign, which took place on August 5, was a dignified affair—an indication, I was told, that democracy is healthy and the days of military coups are over. Now foreigners are asking new questions about the character of this new great power. I directed some of the FAQs at Lilia.

Robert Darnton: Brazil’s emergence as a major world player provokes questions about its national identity, some of them hostile, such as the one you said you encountered on your last trip to the US: How can you live in a country overrun with favelas and violence? How do you answer them?

Lilia Moritz Schwarcz: It is strange how nowadays Brazil has a new image coming from abroad. We used to be seen as “exotics”; a country of Capoeira (a Brazilian form of martial art), Candomblé (a syncretic African religion), Carnaval, and the “Mulatas.” Now we continue to be viewed as exotic, but the exoticism has a new ingredient: violence, even a new aesthetics of violence, mainly in the way Brazil is portrayed in contemporary films, like City of God. The fascination with favelas among many people outside Brazil is ambiguous. On the one hand, favelas are seen as violent communities, subject to violent leaders outside the authority of the state. On the other, they are just “different”—scenes of a culture outside the dominant culture, with its own special way of partying, dancing, playing soccer. We do not have favelas everywhere, but foreigners like to think so. We have developed a new kind of tourism, which features a “favela tour.” Everything is fake, but the tourists enjoy the illusion that they are experiencing another world. And what about you Bob? Are you afraid of walking in some parts of New York City? Is Harlem a kind of favela?

RD: Yes, like many New Yorkers, I have moments of fear when I get off the subway at the wrong station or wander too far from 125th Street. But when I visit Brazil, I like to think I am in a country that is coping successfully with its history of racism. Could Brazil evolve into a multi-nuanced mestizo society like the one imagined by the Brazilian sociologist Gilberto Freyre?

LMS: Let me first ask you Bob, do you think of Obama as a “black President”? I am asking this question, because in Brazil the definition of color depends on the context, the moment and the temperament of the person who asks the question and responds to it.

RD: Ask any American, ask Obama himself, the answer will certainly be that he is black. In the US, despite the many varieties of skin color, we do not have a multi-nuanced notion of race. You are black or you are white or you are something not closely linked to color such as Chinese, Hispanic.

LMS: In Brazil, you are what you describe yourself to be. Officially we have five different colors—black, white, yellow, indigenous, and pardo (meaning “brown,” “brownish,” or “gray-brown”), but in reality, as research has demonstrated, we have more than 130 colors. Brazilians like to describe their spectrum of colors as a rainbow and we also think that color is a flexible way of categorizing people. For several years, I have been studying a soccer game called “Pretos X Brancos” (Blacks against whites), which takes place in a favela of São Paulo, called Heliópolis. In theory, it pits eleven white players against eleven black players. But, every year they change colors like they change socks or shirts—one year a player will choose to play for one team, the next year for the other, with the explanation that, “I feel more black,” or “I feel more white.” Also, in Brazil, if a person gets rich, he gets whiter. I recently talked with a dentist in Minas Gerais. As he is becoming old, his hair has turned white, and he is very well recognized in his little town. He started smoking cigars, joined the local Rotary Club, and said to me: “When I was black my life was really difficult.” So one can see how being white even nowadays is a powerful symbol. Here we have two sides of the same picture: on the one hand, identity is flexible; on the other hand, whiteness is ultimately what some people aspire to. But one aspect is common, the idea that you can manipulate your color and race.

RD: Does that mean you are developing a less poisonous kind of racism in Brazil?

LMS: I think all kinds of racism are equally terrible. I am just saying that the Brazilian kind is different. For example, in 2000 we completed a survey research project that consisted of three seemingly simple questions: Are you prejudiced in any way? 97 percent of those surveyed answered no. Do you know anyone who is prejudiced? 99 percent answered yes. If you had said yes to the second question, you were asked to describe the relationship you have with this person. We did not ask for names, but people often gave them, naming friends and relatives. We concluded that every Brazilian thinks he is an island of racial democracy surrounded by an ocean of racism. But things are changing: Although affirmative action did not begin until the 1980, it is now pretty effective, and we have a quota and bonus system in the universities (the system benefits mainly poor people who studied in public schools, and, consequently, black people). African history is mandatory in the schools. We are coming to understand the complexity of racial prejudice rather than denying its existence.

RD: I suppose then that foreigners cannot take Black Orpheus as a measure of racial attitudes in Brazil, but how do you deal with other elements that go into the stereotypical notion of Brazilian identity? Is Brazilian popular culture all about samba and soccer?

LMS: That is the most common image of our country, and it was, in a way, actually an artificial construct created by Getúlio Varga, the populist president, of the 1930s. He “nationalized,” so to speak, Capoeira, Candomblé, samba and soccer. He even construed “feijoada” (a food derived from slave cooking) as a symbol of Brazil. The white of the rice, he said, stood for the white population. The black of the beans represented the Africans. The red of the pepper corresponded to the indigenous people. The yellow of the manioc symbolized the Japanese and Chinese who had poured into the country in the beginning of the twentieth century. And the green of the vegetables was the forest. You could call it political marketing, but it was very clever, and today we see Brazil as a country of one culture, even though we have many different subcultures. Could you say that about the United States?
RD: We talk about the melting pot, but we don’t all believe in it; and if anything melted in it, it was not feijoada.


Robert Darnton is Carl H. Pforzheimer University Professor at Harvard. His most recent book is The Devil in the Holy Water, or the Art of Slander from Louis XIV to Napoleon.

Lilia Moritz Schwarcz, a professor of anthropology at the University of São Paulo, is known in the United States as the author of The Spectacle of the Races: Scientists, Institutions, and the Race Question in Brazil, 1870-1930 (English edition, 1999) and The Emperor’s Beard: Dom Pedro II and the Tropical Monarchy of Brazil (2004)

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Dilma foi melhor, diz o Noblat

O jornalista Ricardo Noblat, que mantém o Blog do Noblat, avaliou como sendo melhor o desempenho de Dilma no horário eleitoral. Confira abaixo!

Na TV, Dilma deu um banho nos adversários

Foi de uma precisão cirúrgica o primeiro programa de televisão de Dilma Rousseff no horário de propaganda eleitoral, esta tarde.

O marqueteiro João Santana, responsável pelo programa e por todos os passos de Dilma, soube tratar com delicadeza e de forma inteligente o que adversários poderiam vir a usar contra a candidata.

Por exemplo: seu passado de participante da luta armada contra a ditadura militar de 1964. Ou o ex-marido que permanecia oculto.

A Dilma enérgica, conhecida por tratar auxiliares e colegas de governo com acentuada rudeza, deu lugar a uma Dilma amena, suave, e até capaz de se emocionar ao falar dos pobres.

Santana não abusou do uso de Lula em socorro de Dilma. Pelo contrário. Valeu-se dele na medida certa. Mas o centro do programa foi a candidata. Ela ganhou luz própria.

TV é emoção bem dosada. Foi o que faltou no programa de televisão de Serra - e no de Marina também. O de Marina esteve mais para um recorte de documentários da BBC sobre meio ambiente.

O país está repleto de favelas. Mas a equipe de marketing de Serra teve a idéia infeliz de montar uma, estilizada. Esse trecho do programa lembrou as antigas chanchadas da Atlântida.

Não faltou eficiência ao programa do Serra - ou melhor, do Zé. Mas ela, sozinha, não é suficiente para fazer o candidato subir a ladeira.

O horário eleitoral

Leia abaixo a análise do jornalista Alon Feuerwerker a respeito do primeiro dia de propanda eleitoral na TV.

Atributos e benefícios (18/08)
Alon Feuerwerker

A arte está também na construção do elo entre os dois pontos. Não basta só o cara ser bacana, tem que entregar a mercadoria. Mas um cara bacana desperta mais esperança de entregar a mercadoria

O horário eleitoral foi inaugurado no previsível, com cada candidato buscando principalmente enfatizar atributos, especialmente em facetas que possam ser atacadas pelos adversários. Para vacinar ou blindar. E a campanha começou razoavelmente positiva, afinal haverá ainda tempo suficiente para começar a despejar chumbo grosso sobre os outros. Ninguém chega na casa do telespectador, assim de primeira, já chutando a canela. Seria desagradável. Não ficaria bem.

Uma curiosidade nas campanhas eleitorais brasileiras é a propaganda regulamentar radiofônica e televisiva dirigir-se apenas a certo país, que não necessariamente é o Brasil. No rádio e na tevê os postulantes falam a quem — imaginam eles — forma opinião a partir desses dois meios. Costuma funcionar, especialmente quando a primeira etapa deve ser usada para tornar alguém conhecido.

Mas incomoda que a tevê e o rádio pratiquem a infantilização de modo algo excessivo. Compare com os debates e notará a assimetria.

Nesta largada, a arma do PT é Luiz Inácio Lula da Silva, ainda que no subliminar. Sem surpresas. A dúvida é como vão agir (e quantos são) os eleitores que ainda não sabem da preferência de Lula por Dilma Rousseff. Mas esse dado é relativo, pois a presença forte do presidente na tela poderá, quem sabe?, até converter quem estava inclinado a escolher outro caminho, mesmo sabendo da opção presidencial.

No campo de José Serra, aparentemente a estratégia é alcançar incrementos graduais. Deu certo com Geraldo Alckmin em 2006 e o tucano conseguiu levar a contenda para o segundo turno. Depois perdeu-se, mas aí foi menos culpa da estratégia que da tática. Da sofreguidão e da falta de medida. Fazer a disputa com Lula exige know-how, profissionalismo, e Alckmin era estreante no jogo.

Na área de Dilma, calculam-se as medidas necessárias para liquidar a fatura já, não dando margem para grandes riscos. Mas se Lula não conseguiu vencer de cara nas duas vezes em que se elegeu, por que Dilma conseguiria? A pergunta faz sentido, mas na comparação, por exemplo, com 2006, a dúvida omite um fato: a situação econômica vai melhor que quatro anos atrás.

A análise jornalística tende a reduzir, a simplificar. É da nossa natureza. Se precisássemos destrinchar todas as variáveis até o limite do erro zero nunca chegaríamos a concluir um texto e estaríamos todos desempregados. É fácil dizer que o eleitor satisfeito com Lula tende a votar em Dilma, mas ela estar no patamar dos 40% sendo a candidata de um governo com mais de 70% de aprovação deveria dizer algo sobre a relatividade da conclusão.

Quem é o eleitor satisfeito com Lula mas menos disposto a votar na candidata dele? Por que essa separação entre juízos e consequências? Quem souber dissecar melhor o enigma estará em vantagem.

De volta à campanha, há uma curiosidade no ar sobre como serão as críticas mútuas, quando vierem para valer. O que vai colar e o que não? Ainda está por ser verificado o resultado do investimento na tese da suposta incompetência de Dilma para a função que pleiteia. Bem como a tentativa de pintar Serra como um elitista insensível.

Meu palpite é que foram desperdícios. Como nem Dilma é a incompetente que pinta a oposição nem Serra poderá ser facilmente desconstruído a partir do rótulo de “candidato dos ricos”, resultará em soma zero de vetores.

É o óbvio e o banal, mas a disputa deve decidir-se na reflexão de “quem é melhor para o Brasil”, a versão açucarada da mensagem real: o “quem é melhor para mim”. Novidade? Não, mas nem sempre a notícia é sinônimo de novidade, com o perdão dos dicionários.

Ou seja, se estamos na fase dos atributos, ela é apenas o aquecimento para a etapa decisiva, a dos benefícios, como se aprende em qualquer curso básico de vendas. Mas seria um erro imaginar a existência de uma muralha chinesa entre as duas variáveis. Capacidade de trazer benefícios tem a ver com atributos.

A arte está também na construção do elo entre os dois. Não basta só o cara ser bacana, tem que entregar a mercadoria. Mas um cara bacana desperta mais esperança de entregar a mercadoria.

Coluna (Nas entrelinhas) publicada nesta quarta (18) no Correio Braziliense.

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Uma disputa sem espaço para deslizes

Leia abaixo a sempre lúcida análise do jornalista Alon Feuerwerker.

Sem espaço para errar (15/08)
Alon Feuerwerker

Quando você precisa se explicar a toda hora é porque alguma coisa não vai bem. Essa é uma regra geral, sem margem de erro ou grau de incerteza

Na véspera dos programas e inserções eleitorais de rádio e televisão, não apenas os candidatos estão alinhados para a largada, mas também os institutos de pesquisa. Após meses de alguma dissonância, os quatro (Datafolha, Ibope, Sensus, Vox Populi) dizem mais ou menos a mesma coisa: Dilma Rousseff (PT) abre esta etapa na frente de José Serra (PSDB). Por poucos pontos, ainda na casa de um dígito.

Enquanto afirmavam coisas diferentes, os institutos andaram estranhando-se nos números e nas interpretações, com a natural repercussão entre as torcidas. Assim como no jornalismo, o “pesquisismo” também tem sido cenário para o “você está dizendo isso só porque apoia fulano”. É a conversa da arquibancada. Na versão benigna.

Já no campo de jogo a peleja tem outras regras: as caneladas e carrinhos vêm na forma de polêmicas entre o “ponto de fluxo” e a “consulta domiciliar”, entre fazer a indagação sobre o voto antes ou depois de perguntar o que acha do governo, entre dizer ou não que o candidato “x” é apoiado pelo político “y”. E, se não é suficiente, tem sempre a margem de erro para dar uma mãozinha.

Mais ainda. Tem uma coisa chamada “incerteza”. Com as mesmas letras miudinhas dos contratos duvidosos, os institutos avisam sempre haver uma chance (geralmente 5%) de a pesquisa estar completamente errada. De o resultado colhido na amostra ser diferente (para além da margem de erro) do que seria se todo o universo fosse auscultado.

Nas pesquisas, como nos consultórios médicos, o doutor sempre tem razão, até quando não tem. Pois ciência mesmo é dar a si próprio uma probabilidade generosa de estar errado. O tratamento não funcionou? Lamento, mas você está naqueles poucos casos em que não funciona. Tudo bem, doutor, mas o senhor me devolve então o dinheiro das consultas? E dos remédios?

Um consenso é que institutos de pesquisa vivem da credibilidade. Será? Assim como políticos vivem de ganhar eleição, pesquiseiros precisam acertar. No desfecho, claro, mas também nas parciais. Com um detalhe: é fácil verificar se a pesquisa de véspera de eleição acertou, basta compará-la com o resultado. Já nas parciais é mais complicado, pois só dá para comparar mesmo umas pesquisas com as outras.

Agora, por enquanto Sensus e Vox Populi estão levando vantagem sobre o Datafolha, com o Ibope mais ou menos no zero a zero. Já duas vezes o Datafolha chegou a resultados parecidos com os dos concorrentes, mas depois. Hoje as pessoas creem que Dilma ultrapassou Serra, e quem apontou nisso primeiro anda numa boa. Já os outros têm que se explicar.

E quando você precisa se explicar a toda hora é porque alguma coisa não vai bem. Essa é uma regra geral, sem margem de erro ou grau de incerteza.

Isso garante que uns estejam “certos” e os outros, “errados”? Claro que não. No limite podem estar todos errados.

E daí? O drama para os institutos de pesquisa é que a disputa entre eles na maior parte do tempo se passa numa esfera intangível, a das percepções. Daí o valor da tal “credibilidade”. Se eu tenho credibilidade, tenho e ponto final. Mas credibilidade nenhuma resiste intocada ao erro. Menos ainda ao erro sistemático e à necessidade sistemática de se explicar.

E mesmo quem não larga na corrida com muita credibilidade pode acumular capital político, se acertar mais do que os outros, se der sistematicamente a impressão de que vai na frente e os adversários vão atrás. Aliás, quem precisa recorrer muito à própria credibilidade está a meio caminho dar um tchauzinho a ela.

Vai começar

O desafio para para os profissionais de Marina Siva é impedir que seja tragada pelo escasso tempo de tela e pela polarização há muito anunciada. Já no caso de José Serra, a tarefa, não trivial, é explicar por que mudar se as coisas vão bem. A missão de Dilma Rousseff é mais simples, basta impedir que Serra consiga dar essa explicação.

Dilma chega na frente na largada, o que é bom para ela. Estar na frente é sempre melhor. Serra chega precisando segurar um punhado de votos para levar a eleição ao segundo turno. E virar um punhado deles para ganhar.

Numa eleição em que esse punhado é de cinco milhões num universo de 135 milhões, dizer que ela já acabou parece algo precipitado.

Mas é óbvio que o grande desafio está no campo de Serra e não no de Dilma.


Quem tem Alan Daniel não precisa do Polvo






Um certo Polvo andou fazendo sucesso durante a Copa do Mundo. Dizem que adivinhou todos os resultados dos jogos. Teve gente querendo trazê-lo para o Brasil para substituir os nossos institutos de pesquisa... Mas o Polvo, perto da partida desta para uma melhor, foi aposentado compulsoriamente. Não lamentemos.

Aliás, não precisamos lamentar. Por quê? Ora, porque temos o Professor Alan Daniel Freire. O Alan é professor do Departamento de Políticas Públicas e da Pós-Graduação em Ciências Sociais da UFRN. É um analista competente do nosso quadro político. Sem a paixão dos torcedores ou militantes, o Alan Daniel consegue fazer sondagens prospectivas que são posteriormente comprovadas pelos fatos. Digo e provo!

Há seis meses, em um final de tarde de uma sexta-feira, no corredor do Departamento de Ciências Sociais, o Professor Alan Daniel traçou para mim um quadro da disputa eleitoral para a Presidência, que então começa a esquentar. Dentre outras coisas, ele afirmou:

1) Que a candidatura de Ciro não se sustentaria;
2) Que, por ausência de um discurso legitimador, a candidatura Serra iria ser desidratada;
3) Que, quando a máquina governista e o Lula entrassem em campo, a candidatura da Dilma ia disparar;
4) Que muito provavelmente a Dilma venceria no primeiro turno.

Com aquela paciência e jeito peculiar de ser, o Alan enumerou didaticamente os elementos de realidade que justificariam a sua análise. Não é demais lembrar que, naquele momento, a Dilma estava em terceiro lugar na disputa...

domingo, 15 de agosto de 2010

Reflexões sobre o suícidio

Do site da Folha capto o artigo abaixo. Bem escrito, aborda uma temática geralmente negligenciada no universo das ciências sociais brasileiras. Paradoxalmente, essa temática foi um dos objetos primeiros da investigação científica do mundo social. Lembremo-nos de Durkheim!



Problema insolúvel
Hélio Schwartsman

O escritor existencialista Albert Camus (1913-1960) certa vez escreveu: "Só há um problema filosófico verdadeiramente sério: o suicídio. Julgar se a vida vale ou não a pena ser vivida é responder à questão fundamental da filosofia".

A crer na psiquiatria, esse já deixou de ser um problema filosófico. "Estudos mostram que 90% dos suicídios estão associados a transtornos mentais; e os outros 10% foram mal investigados", diz o psiquiatra Bruno Mendonça Coêlho, da USP, com quem conversei para fazer uma matéria sobre o assunto que foi publicada na Folha no último sábado.

Longe de mim querer negar as evidências empíricas. É só o teste da realidade que distingue a ciência de nossas fantasias e delírios pessoais. Ainda assim, acho que Camus não estava tão errado assim. Mesmo que a esmagadora maioria das pessoas que tenta e eventualmente consegue se matar padeça de uma ou mais afecções psiquiátricas, isso não invalida a discussão filosófica em torno do valor da vida e da moralidade de interrompê-la. O próprio Coêlho admite a possibilidade teórica do "suicídio filosófico": "Talvez o monge tibetano que se mata em protesto contra a China, mas é um número desprezível dos casos".

Antes de recorrer aos filósofos, contudo, acho que vale dar uma espiadela na demografia do suicídio. Nós, brasileiros, não costumamos vê-lo como um problema muito sério. É que nossos números são relativamente modestos quando comparados aos do resto do mundo e às cifras da violência interpessoal. Por aqui, a taxa anual de suicídios por 100 mil habitantes é de 4,68. Já a de homicídios, é de 25,2 --cinco vezes mais.

Em escala global, porém, o quadro se inverte. De acordo com a OMS (Organização Mundial da Saúde), a taxa global de suicídios fica entre 10 e 30 por cem mil habitantes, com os países campeões, como a Rússia e a Lituânia, exibindo cifras maiores do que 40. É uma das principais causas de morte do planeta. Só no ano 2000, 815 mil pessoas tiraram a própria vida. Isso representa mais do que o total de assassinatos ou de mortos em guerras no mesmo ano. Segundo a OMS, do 1,6 milhão de mortes violentas registrado em 2000, 815 mil se deveram a suicídios, 520 mil a homicídios e 310 mil a conflitos.

É claro que poderíamos passar anos discutindo a qualidade desses números. Por uma série de razões culturais, emocionais, religiosas e até securitárias --suicidas perdem seus seguros de vida--, as pessoas não gostam de alardear que seus parentes se mataram. Muitas vezes, conseguem evitar que o corpo vá para o Instituto Médico Legal e a causa conste do certificado de óbito. Com isso, as estatísticas acabam refletindo um número de suicídios menor do que o real. Isso ocorre não só no Brasil, mas no mundo todo. Em que grau é a pergunta que ninguém sabe responder.

E, se contar corretamente cadáveres já é difícil, muito mais é computar pensamentos e atitudes que de algum modo se relacionam ao suicídio. Foi essa, entretanto, a proposta do núcleo de epidemiologia psiquiátrica da USP, do qual Coêlho faz parte. Num artigo que está prestes a ser publicado na "Revista Brasileira de Psiquiatria", eles tentaram quantificar, numa amostra comunitária, as cognições e comportamentos relacionados a suicídio (CCS) e relacioná-los a transtornos mentais.

Para isso, realizaram 1.464 entrevistas domiciliares em São Paulo, nas quais pesquisadores treinados aplicaram questionários padronizados para o diagnóstico de transtornos mentais e fizeram perguntas para avaliar as CCS. Concluíram que 9,5% já tiveram pensamentos suicidas e 3,1% tentaram tirar a própria vida. Transtornos depressivos, por vezes associados ao abuso ou dependência de álcool e de outras drogas, foram identificadas num número significativo desses casos.

Mas chega de chatear o leitor com números. Antes de ser sequestrado pela medicina, o debate filosófico em torno do suicídio mobilizou grandes pensadores. De um lado, estão aqueles que, amparados nas tradições judaico-cristã e platônica, condenaram o suicídio.

Um bom representante dessa espécie é santo Tomás de Aquino (1225?-1274). Para ele, o suicídio é errado porque contraria a lei natural, faz mal à família e à sociedade e, mais importante, ofende a Deus, a quem nossas vidas pertencem.

Para isso, realizaram 1.464 entrevistas domiciliares em São Paulo, nas quais pesquisadores treinados aplicaram questionários padronizados para o diagnóstico de transtornos mentais e fizeram perguntas para avaliar as CCS. Concluíram que 9,5% já tiveram pensamentos suicidas e 3,1% tentaram tirar a própria vida. Transtornos depressivos, por vezes associados ao abuso ou dependência de álcool e de outras drogas, foram identificadas num número significativo desses casos.

Mas chega de chatear o leitor com números. Antes de ser sequestrado pela medicina, o debate filosófico em torno do suicídio mobilizou grandes pensadores. De um lado, estão aqueles que, amparados nas tradições judaico-cristã e platônica, condenaram o suicídio.

Um bom representante dessa espécie é santo Tomás de Aquino (1225?-1274). Para ele, o suicídio é errado porque contraria a lei natural, faz mal à família e à sociedade e, mais importante, ofende a Deus, a quem nossas vidas pertencem.

Opondo-se a essa visão, David Hume (1711-1776) escreveu seu "Ensaio sobre o Suicídio". Para o autor, Deus deu ao homem e aos animais o poder de alterar a natureza em proveito próprio. É assim que é lícito à humanidade emprestar a força dos rios para mover moinhos e rodas d'água. Em princípio, portanto, nada há de errado em alterar o curso da vida (suicidar-se) em busca de maior quinhão de felicidade, isto é, para pôr fim a um estado de miséria ou sofrimento. Se não há crime em "desviar o curso do Nilo ou do Danúbio, sendo eu capaz de fazê-lo, onde está o crime em desviar algumas onças de sangue de seu canal natural?".

Numa linha semelhante vão os existencialistas, mais especificamente Jean-Paul Sartre (1905-80). Para Sartre, é claro, Deus não existe. Mas isso não é exatamente uma boa notícia. Sem o Criador, nós ficamos sós no mundo. Pior, sabemos que vamos morrer e então não seremos nada. Se há palavras que descrevem bem a condição humana no existencialismo, elas são: angústia, desespero, absurdo e náusea. Só o que resta, para Sartre, é a liberdade, ainda que sob condições externas não controladas pelo indivíduo.

A liberdade sartriana opera mais como um fardo do que como uma dádiva. "Estamos condenados à liberdade" é o lema existencialista. Não escolhemos existir, mas, uma vez lançados no mundo ao nascer, somos os únicos responsáveis por tudo o que fazemos. O principal para o existencialismo é que sempre está em nosso poder alterar nossa existência, cuja liberdade só cessa com a morte. Daí que Camus afirmou que o suicídio é a única questão filosófica importante.

Se quisermos, um existencialista "avant la lettre" foi o estoico Epicteto (55 - 135): "Lembra-te de que a porta permanece aberta. Não sejas mais medroso do que as criancinhas, mas faze como elas quando estão cansadas de seus jogos e gritam 'não brinco mais'; quando estiveres em situação similar, grita 'não brinco mais' e parte; mas, se ficares, não chores".

Hoje, é claro, os Epictetos, Camus e Humes seriam medicados com antidepressivos. A filosofia sobreviveria? Provavelmente sim, mas as imagens e metáforas talvez ficassem piores.


Para enfrentar o crack, maconha pode ser a saída

O artigo abaixo, de autoria de Marcos Rolim, merece uma reflexão séria.

MACONHA, PORTA DE SAÍDA?
Marcos Rolim
Jornalista

A epidemia de crack é um dos fenômenos mais sérios na interface entre saúde pública e segurança. O que a faz particularmente grave é a reconhecida dificuldade de superar a dependência química.
Pois bem, a Universidade Federal de São Paulo realizou pesquisa com 50 dependentes químicos de crack que foram submetidos a um tratamento experimental de redução de danos. Sob a coordenação do psiquiatra Dartiu Xavier, o grupo foi tratado com maconha. Daquele total, 68% trocou o crack pela maconha. Ao final de três anos, todos o que fizeram a troca não usavam mais qualquer droga (nem o crack, nem a maconha). Anotem aí: todos.

Imaginei que, com a divulgação destes resultados por Gilberto Dimenstein, na Folha de São Paulo em 24 de maio, haveria grande interesse sobre o estudo. Nada. A resposta ao mais impressionante resultado de superação da dependência de crack no Brasil foi o silêncio. O uso medicinal da maconha tem sido admitido em dezenas de países, inclusive nos EUA. Por aqui, o tema segue interditado pela irracionalidade. É evidente que o consumo de maconha pode produzir efeitos danosos. Sabe-se que o abuso pode conduzir o usuário a problemas de concentração e memória e que em determinadas pessoas o uso está correlacionado à precipitação de surtos esquizofrênicos. Daí a criminalizar seu consumo e impedir experiências destinadas ao uso medicinal vai uma distância que tende a ser percorrida pela intolerância e pelo obscurantismo.

O psicofarmacologista Eduardo Carlini sustenta que o princípio ativo da maconha pode ser útil no combate à depressão e ao estresse. O mesmo tem sido dito por cientistas quanto ao tratamento do glaucoma, da rigidez muscular causado pela esclerose múltipla, ou como apoio aos pacientes com AIDS, aos que sofrem do mal de Parkinson e aos que se submetem à quimioterapia em casos de câncer. Estudo da USP com pacientes que ingeriram cápsulas de canabidiol, um dos compostos encontrados na erva, demonstrou resultados positivos no tratamento da fobia social e na redução da ansiedade.

As oportunidades abertas por estudos do tipo, entretanto, assim como a necessária pesquisa, estão impugnadas no Brasil por um discurso preconceituoso e por uma legislação ineficiente e estúpida. Seguimos repetindo que a maconha é “a porta de entrada” para o consumo de drogas mais pesadas, o que pode traduzir tão-somente uma “falácia ecológica” (quando se deduz erroneamente a partir de características agregadas de um grupo), vez que o universo de consumidores de maconha é muitas vezes superior ao grupo dos dependentes de drogas pesadas que se iniciaram pela canabbis. Em outras palavras: é possível que a maconha seja mais amplamente uma opção alternativa às drogas pesadas e não uma droga de passagem. Independentemente disto, é possível que a maconha seja uma porta de saída para a dependência química por drogas pesadas. O que, se confirmado, será uma ótima notícia.

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Fique em paz e em boa companhia

A cantora Fortuna, acredito, você já a conhece, não? A música, quando cantada por ela, invade a alma. Acalma-nos e nos dá força para seguir adiante. Escute com atenção a música abaixo, e fique em paz neste final de tarde... e de semana.

A sociologia e o "bandido"

Você se interessa pela sociologia da violência? Se sim, não deixe de ler o texto abaixo. O autor é Professor Michel Misse. Eu já postei textos dele neste espaço. Confira, então, a abordagem instigante que o autor faz a respeito dessa categoria social que é o "bandido". O artigo foi publicado na Revista Lua Nova.

Crime, sujeito e sujeição criminal1: aspectos de uma contribuição analítica sobre a categoria "bandido"
Michel Misse

Muitas contribuições recentes à teoria do sujeito têm argumentado que a experiência de tornar-se sujeito está vinculada fundamentalmente à experiência da subjugação. Nesse sentido, o sujeito seria o pressuposto da agência, já que não se pode explicá-la sem a intervenção ativa que contrapõe a estrutura. Se tomarmos estrutura como poder (mesmo no sentido amorfo weberiano), então a experiência da sujeição (no sentido de subjugação, subordinação, assujetissement) seria também o processo através do qual a subjetivação a emergência do sujeito se ativa como contraposto da estrutura, como ação negadora. O sujeito, nesse sentido, é o efeito de ser posto pela estrutura (poder) e de emergir como seu ser contraposto e reflexivo (potência). É assim que autores como Foucault (1977, 1984, 1988, 2006), Althusser (1972), Butler (1997, 2005) e, mais recentemente, Das (1989, 2005) e Das et al. (1997), tentam responder ao persistente paradoxo de se pensar a ação reflexiva e a interação sem perder de vista suas determinações, particularmente do ângulo de quem se encontra subalterno.

Entretanto, essas contribuições tendem a pensar o sujeito social que emerge da experiência de subordinação como "sujeito revolucionário" que põe novos valores (marxismo, feminismo, movimento gay, ecologia etc.); raramente o tomam pela sua ação egoísta, voltada para si ou para seu grupo, cínica ou cética quanto à necessidade do Outro que não seja sob a forma também da subordinação ou de sua subjugação. Dito de outro modo: raramente o sujeito que emerge da experiência da subordinação é pensado como sujeito que subordina ou que subjuga, que produz outros assujeitamentos e, portanto, também outros sujeitos. Um dos argumentos para não pensá-lo como sujeito é exatamente o fato de que ele não põe valores, não é "democrático" (Wiewiorka, 2008). Entretanto, se o negamos como sujeito, caímos em novos paradoxos, entre os quais o de repor o conflito entre ação e estrutura, para os quais teríamos dois pesos e duas medidas. Afinal, o que queremos dizer quando afirmamos que o "ator pensa", que o "ator sofre", que o "ator ama"? Pensar, sofrer e amar não são categorias assimiláveis analiticamente nem à estrutura, nem aos papéis, nem ao ator e nem à agência.

A sociologia convencional tem preferido esquivar-se desses problemas refugando a discussão sobre o processo de subjetivação à psicologia, à psicanálise, à filosofia e aos chamados cultural studies, e defendendo no plano micro a autonomia constitutiva da interação social, através dos conceitos clássicos de self, identidade social, ator social, papéis e status sociais. Para ligar esse plano de categorias interacionistas ao plano da estrutura, das instituições, das práticas e da ação coletiva recorre por vezes à noção de agência. Se tomarmos importantes contribuições que lidam com temas como o nosso, por exemplo, os trabalhos de Erving Goffman e Howard S. Becker, observaremos o quanto noções como "estigma" e "rótulo" tensionam com essa tradição mas evitam confrontar diretamente a categoria implícita do sujeito que sofre e manipula o estigma ou que rotula ou é rotulado, preferindo permanecer no ocultamento tático do sujeito sob o self social. De alguma maneira, o sujeito é posto "fora" do self, como seu "fundo" ou sua "essência", para melhor se livrar dele. O sujeito do self, como já se disse inúmeras vezes, não pertenceria à sociologia, assim como o descascar das camadas da cebola não nos conduz a qualquer "profundidade"; quando a buscamos, não encontramos nada além da própria cebola descascada. No entanto, o paradoxo persiste, pois há um agir que se define por sua autonomia frente à estrutura, frente à função e contra o "já dado", que põe e resgata o sujeito em algum lugar que está no self mas que, ao mesmo tempo, o nega e o ultrapassa no desejo, nas emoções, na produção do sentido e na ação reflexiva propriamente dita. O sujeito não está em qualquer profundidade do self, é apenas uma outra forma de abordá-lo.

As minhas pesquisas têm me conduzido à constatação de que há vários tipos de subjetivação que processam um sujeito não revolucionário, não democrático, não igualitário e não voltado ao bem comum. O mais conhecido desses tipos é o sujeito que, no Brasil, é rotulado como "bandido", o sujeito criminal que é produzido pela interpelação da polícia, da moralidade pública e das leis penais. Não é qualquer sujeito incriminado, mas um sujeito por assim dizer "especial", aquele cuja morte ou desaparecimento podem ser amplamente desejados. Ele é agente de práticas criminais para as quais são atribuídos os sentimentos morais mais repulsivos, o sujeito ao qual se reserva a reação moral mais forte e, por conseguinte, a punição mais dura: seja o desejo de sua definitiva incapacitação pela morte física, seja o ideal de sua reconversão à moral e à sociedade que o acusa. O eufemismo de "ressocialização" ou de "reinserção social" acusa, aqui, por denotá-la, a "autonomia" desse "sujeito", e paradoxalmente a sua "não sujeição" às regras da sociedade.
A minha questão envolve a constatação de uma complexa afinidade entre certas práticas criminais as que provocam abrangente sentimento de insegurança na vida cotidiana das cidades e certos "tipos sociais" de agentes demarcados (e acusados) socialmente pela pobreza, pela cor e pelo estilo de vida. Seus crimes os diferenciam de todos os outros autores de crime, não são apenas criminosos; são "marginais", "violentos", "bandidos".


Tenho procurado entender esse complexo processo social, que teve no Rio de Janeiro o seu primeiro e mais conhecido desdobramento no Brasil, como o de uma "acumulação social da violência" (Misse, 1999; 2006; 2008a). É como se alguns fatores sociais se alimentassem reciprocamente em algo como uma causação circular acumulativa, gerando, de um lado, acumulação de desvantagens para um segmento da população e, de outro, estratégias aquisitivas partilhadas tanto por agentes criminais quanto por agentes encarregados de reprimi-los, de um modo que ganhou diferentes graus de legitimação em importantes camadas da sociedade mais abrangente. Além da associação entre acumulação de desvantagens e incriminação preventiva de certos "tipos sociais", desenvolveu-se um persistente processo de "sujeição criminal" de uma parcela de agentes de práticas criminais. Tal dinâmica terminou por constituir algo como uma "cultura" associada a esses sujeitos.

1. Sobre o conceito de "sujeição criminal", ver Misse (1999). Aproveito, neste artigo, trechos de minha argumentação primeiramente apresentada naquele estudo. A este respeito, ver também Misse (2006).

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